sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Eu sei, mas não devia

Eu sei que a gente se acostuma.
Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor.
E porque
não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora.
E porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo
as cortinas. E porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz.
E porque à medida que se
acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.
A gente se acostuma a acordar de manhã, sobressaltado porque está na hora.
A tomar café correndo porque está atrasado.
A ler jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer
sanduíches porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o
dia.
A gente se acostuma a abrir a janela e a ler sobre a guerra. E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja
números para os mortos. E aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz.
E aceitando as
negociações de paz, aceitar ler todo dia de guerra, dos números da longa duração.
A gente se acostuma a esperar o dia
inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir.
A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado
quando precisava tanto ser visto. A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o que necessita.
E a lutar para
ganhar o dinheiro com que paga. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as
coisas valem. E a saber que cada vez pagará mais.
E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter
com o que pagar nas filas em que se cobra.
A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes, a abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a
comerciais. A ir ao cinema, a engolir publicidade.
A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável
catarata dos produtos.
A gente se acostuma à poluição.
À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às besteiras
das músicas, às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À luta.
À lenta morte dos rios. E se acostuma
a não ouvir passarinhos, a não colher frutas do pé, a não ter sequer uma planta.
A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma
dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um
pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente só molha os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está
duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer, a gente vai
dormir cedo e ainda satisfeito porque tem sono atrasado. A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para
preservar a pele.
Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se da faca e da baioneta, para poupar o peito.
A gente se acostuma para poupar a vida.
Que aos poucos se gasta, e que, de tanto acostumar, se perde de si mesma. (Marina Colasanti)

Paradoxo do nosso tempo

O paradoxo de nosso tempo na história é:

Que temos Edifícios mais altos, mas pavios mais curtos;
Auto-estradas mais largas, mas pontos de vista mais estreitos;
Gastamos mais, mas temos menos; nós compramos mais, mas desfrutamos menos.
Temos casas maiores e famílias menores; mais conveniências, mas menos tempo;
Temos mais graus acadêmicos, mas menos senso; mais conhecimento e menos poder de julgamento;
Mais proficiência, porém mais problemas; mais medicina, mas menos saúde.
Bebemos demais, fumamos demais, gastamos de forma perdulária, rimos de menos, dirigimos rápido demais, nos irritamos muito facilmente, ficamos acordados até tarde, acordamos cansados demais, raramente paramos para ler um livro, ficamos tempo demais diante da TV e raramente oramos.
Multiplicamos nossas posses, mas reduzimos nossos valores.

Falamos demais, amamos raramente e odiamos com muita freqüência.
Aprendemos como ganhar a vida, mas não vivemos essa vida.Adicionamos anos à extensão de nossas vidas, mas não vida à extensão de nossos anos.
Já fomos à Lua e dela voltamos, mas temos dificuldade em atravessar a rua e nos encontrarmos com nosso novo vizinho.

Conquistamos o espaço exterior, mas não nosso espaço interior.
Fizemos coisas maiores, mas não coisas melhores.
Limpamos o ar, mas poluímos a alma.

Dividimos o átomo, mas não nossos preconceitos.
Escrevemos mais, mas aprendemos menos.
Planejamos mais, mas realizamos menos.
Aprendemos a correr contra o tempo, mas não a esperar com paciência.
Temos maiores rendimentos, mas menor padrão moral.

Temos mais comida, mas menos apaziguamento.
Construímos mais computadores para armazenar mais informações para produzir mais cópias do que nunca, mas temos menos comunicação.
Tivemos avanços na quantidade, mas não em qualidade.
Estes são tempos de refeições rápidas e digestão lenta;

De homens altos e caráter baixo;
Lucros expressivos, mas relacionamentos rasos.
Estes são tempos em que se almeja paz mundial, mas perdura a guerra no lares;
Temos mais lazer, mas menos diversão;
Maior variedade de tipos de comida, mas menos nutrição.
São dias de duas fontes de renda, mas de mais divórcios;

De residências mais belas, mas lares quebrados.
São dias de viagens rápidas, fraldas descartáveis, moralidade também descartável, ficadas de uma só noite, corpos acima do peso, e pílulas que fazem de tudo: alegrar, aquietar, matar.
É um tempo em que há muito na vitrine e nada no estoque;

Um tempo em que a tecnologia pode levar-lhe estas palavras e você pode escolher entre fazer alguma diferença, ou simplesmente apertar a tecla Del.

(Autor desconhecido)
Soneto do Amigo
Enfim, depois de tanto erro passado
Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.
É bom sentá-lo novamente ao lado
Com os olhos que contem o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.
Um bicho igual à mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com meu próprio engano.
O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica...
(Vinícius de Moraes)

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